"você acredita em médico?! não! vai por mim, põe uma roupa bem bonita, entorna uns gorós de cachaça e vai lá se vingar dessa pessoa sim. agora!"

terça-feira, 27 de julho de 2010

3:08 (sertão)


É certo que não se deve dizer a escrita, que ela - autônoma e outra – entidade sem identidade fixa,  nasce, não do momento forçosamente espontâneo (o paradoxo que abriga dois seres incongruentes), mas do impuro e complexo impulso criador humano. Dito isto, criatura esta agora não imprimo, portanto não blasfemo, estou alerta. Somente coloco-me nesse instante vazio de acontecimentos, onde a mente o nada lê, e rejeita. Onde, na absurda brancura dos segundos, resolve escrever o que vê.

O que vê? Imagem alguma.

Insuportável!

Mas uma sobrevida vagueia solta pelo quarto, trata-se do besouro de asa atrofiada e vôo rasante; astuta, ela resgata o imperfeito de sua memória:

Soubesse eu desenhar, não estaria nesse pedaço de madrugada rabiscando letras sem sentido. Tivesse eu aprendido ponto e cruz, começaria agora uma bela colcha. Houvesse você insistido, esse pedaço de tempo seria cheio e barulhento.

Apresentasse  hoje o “não” de amanhã e eu adormeceria.

domingo, 25 de julho de 2010

o caso de P. Garcia (parte III)

"...What am I coming to?
I'm gonna melt down
Blame it on the black star
Blame it on the falling sky
Blame it on the satellite that beams me home(...)"

Ele sabia.

O que o estagnava e devorava aos poucos. A presa.

Ele, não no centro da teia laboriosa secando ao tempo, à espera do triunfo final de seu dono. Mas aos cheiros de lírios e cravos amarelados, vermelhos, violetas, multicoloridos, celestes, psicodélicos - mutáveis - , quando sonhando com campos vastos, verdes e calmos, onde as copas das árvores  tocassem o céu, deixara, por descuido consciente de um belo encanto, que as agulhas venenosas dissimuladas em botões tocassem-lhe o corpo, como o fizeram.

Primeiro a afonia, em poucos minutos, a surdez; em contagem menor do que a anterior, a cegueira; no andar de poucas horas, a paralisia total.

Não haveria o encontro ou triunfo, o tempo revelara.  Não haveria outro sequer, assim como não havia mais o mesmo. Tudo fora se dissolvendo, a vontade diluía-se com o veneno.



sábado, 17 de julho de 2010

o verdadeiro sentido da vida...

não é ser,  mas se

.
.
.

foda-se

old world underground


Ela escutou a proposta e a pergunta cínica prosseguinte. Respondeu com hipocrisia: “ tudo bem”;  enquanto as breves palavras saiam, pegou seu canudo e começou a mastigá-lo ao modo de um coelho faminto. Pouco chamou o maxilar ao trabalho, deixava-lhe arranhar o céu da boca e engolia a seco as pontas de poucas trituras, sangrando a goela. Abaixo, disfagia – a força era tamanha, faziam saltar as veias da testa, fechar as mãos em punhos, lacrimejar os olhos.

Indigestão.

Começou a vomitar 5 anos de uma vida - resistance. A propositora desviou o olhar  à cena, mas não segurava o riso que escapava pelo canto da  boca.

O próximo movimento se saberá? as palavras do vazio ou as da alma - “ no cú”?!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

o caso de P. Garcia (parte II)

"What gives what helps the intuition?
I know I'll know I won't have to be shown
The way home. And it's not about a boy
Although although..."

E foram repetidas noites. O igual a si. Contrariando a física e a matéria. 

Fatos sem fatos - A (des)memória. 

P. Garcia seguia no mesmo, não mais lembrar o porquê, instintivamente seguia no mesmo, mas ainda à margem. Nem ao céu, nem à carne. Tão animal, quanto humano, ou, talvez, nem tanto dos dois. Uma terceira constituição - autos? proto-? A máquina ou a mais simples forma de vida do planeta? Qual a distância entre os pontos? 

- Uma ação.

Sinal de vida que vem - a vontade. De súbito, acordara à ausência de cigarros. Pensou "triste é a condição deste que desperta ao algoz de um vício...", tragou o café frio, continuou "...mas fortuito foi o destino ao lhe fazer fraco para  poder sentir um sopro de vida".  Ceder ou não a vontade? Gostava da dor que ela causava, os sintomas - ansiedade, fome, transpiração - desejo, loucura. O ato de fala. Como expressar a vontade, como sanar a dor, se o insuportável se apresentasse? Desaprendera a falar há alguns dias, sem motivos clínicos evidentes a sua sabedoria. Apenas escrevia em seu caderno como de breve costume,  quando de uma frase ao fim do parágrafo saiu o último som, desde então, nada mais pôde pronunciar. Tomado de pavor [embora longe da forma histérica - um pavor receoso, cabe melhor ao esclarecimento],  porém com urgência, largou o lápis; ao caderno envolveu vários elásticos, dando-lhe uma forma cilíndrica; ao repará-la, lembrou dos tubos que  guardavam cartazes de filmes, com tanto zelo, em seu baú. Pegou um. De pronto e sem hesitar, era esse! um souvenir de passado perecido, por certo; rapidamente retirou o cartaz. Atirado ao chão, deixava à mostra  alguma  de sua parte: um casal deitado sobre o gelo. Colocou o caderno no seu interior, vedou as extremidades, abriu novamente o baú de madeira, cavou com as mãos por entre os pertences, e, achando o fundo, mergulhou o tubo. 

Embora suspeita, no íntimo sabia que se continuasse a escrever poria em risco outras capacidades. Até então, achava que a escrita era a única experiência de fora que poderia lhe atingir de sobremaneira.

A noite posterior revelaria o equívoco.