"você acredita em médico?! não! vai por mim, põe uma roupa bem bonita, entorna uns gorós de cachaça e vai lá se vingar dessa pessoa sim. agora!"

quinta-feira, 29 de abril de 2010

naquela sala



“Não sei se voltaria pra ele, não sei como seria. Não era mais aquela coisa.” Essa frase pronunciada com riso de meia graça, riso imaginativo, me fez fixar o olhar e os ouvidos ainda mais àquela que, dentre todas, parecia ter uma história singular a contar, até porque, dentre todas, ela era a mais singular. “Não sei se voltaria”, o verbo flexionava e dizia ele não estava mais e  talvez nem pensasse sobre essa ausência, mas ela pensava...acabara de pensar e talvez o fizesse a cada minuto a cada chute ou enjôo a cada roupa pequena demais a se acumular em pilhas no guarda-roupa a espera de um dia voltar, quem sabe, a se ajustar ao manequim ou a nova pessoa que se fará.
Ela estava na minha diagonal, em pé, vestia um casaco de lã, uma calça de tecido fino – um pouco larga para o seu corpo, mesmo que mais avantajado, e chinelos de dedo (pensei, talvez não houvesse sapatos a caber, costumam-se inchar os pés nesse período); num primeiro momento era sozinha, depois se acompanhou de uma mulher trinta e poucos anos mais velha, suponho, pela aparência. Todas naquela sala formavam fotografias parecidas, esperavam, quase sempre acompanhadas de um alguém mais velho do sexo feminino – a mãe, a avó, a sogra, a tia...uma guardiã, enfim. E conversavam. Conversavam entre si e também umas com as outras, trocavam experiências, davam conselhos, competiam dores, dilatações, cólicas, desejos. Ela, enquanto sozinha, se calava. Ninguém lhe perguntara sobre suas dores, sobre suas melhores posições, sobre seu cansaço. Quer sentar? Não. Isso também ninguém lhe sugeriu; mas ela o fez; uma cadeira próxima a minha vagou, então, tomou assento. Daquela posição eu não podia mais olhar. Até poderia, mas não com disfarces; antes olhava pra ela como quem olha o nada, mas o fazia querendo ver tudo, imaginava tudo, supra-imaginava. O que eu via? O estranho. Via alguém que ao chegar tomei pelo outro sexo; via agora uma mulher em desencaixe de forma. Veja só todas que aqui estão, todas magras, cuja condição não se pode esconder devido à secura do corpo a sustentar seu centro e à boa definição dos ossos, cujos cabelos se fortificaram e cuja pele se abrilhantou. Veja todas aqui...tão grávidas!
“Não era mais aquela coisa.”, e não era só uma coisa, era uma coisa com extensão da vogal “o”, era uma coisa enfática, grandiosa, uma coisa fora da coisa. Sublime, por certo, já que está para o indefinido como água está para o mar, já que verbo a ela não se faz jus, porém, muitos, derivados dela - dessa coisa, se faz conjugar: entropecer, desatinar, escapar, transcender, engravidar, abandonar, deprimir, MUDAR etc.
Então, eu me perguntei e olhei em volta tentando ver naquelas fotografias uma resposta sequer. Por que essas mulheres se deixaram tomar por essa coisa? Por um algo indefinido e efêmero, o qual só se sabe quando acaba, que pelo seu fim se tem uma parca noção do que talvez tenha sido ou do que talvez não; por um "it" que resguarda uma vertigem mínima do cognoscível  somente quando em comparação a uma outra versão desse mesmo "it" que também já se acabou. Por que de uma fração de tempo, sentida de uma forma-coisa, se faz o eterno?
Eu poderia ficar olhando a tarde inteira o plural daquela sala ou mesmo aquele singular que resposta nenhuma me seria dada. O meu tempo se havia  acabado, talvez se tivesse dado a perguntar conseguisse uma fagulha luminosa às minhas idéias, mas não o fiz. A bem da verdade, acho que elas só estavam ali, vivendo a sua condição. Como eu, esperavam, só que mais. Eu àquela sala não voltaria, elas sim.