- O que houve?
- Eu perdi algo.
- O que é?
- Não sei.
- Como ele é?
- É grande, suponho.
- Mas você o perdera agora.
- Não. Eu nunca o tive presente, só notei a falta.
- Desculpe a pergunta óbvia, mas como pode alguém perder algo que nunca possuiu?
- Não sei. Não vejo obviedade alguma em sua pergunta, pelo contrário, ela desnuda o lado aporético não só da palavra, como também da vida. Todavia, no intento de amenizar o impasse verbal, o único que, talvez, com muito esforço humano possa ser esclarecido, digo ter agora dado falta do que perdi sem nunca ter, porque antes esse sentimento estava esquecido.
- Então não é importante saber a matéria do que lhe falta?
- Talvez sim, talvez nao; enfim, pode-se tratar de algo amorfo ou multiforme. quem sabe?
- Entendo, de nada adiantaria atualizar a informação, porque a perda continuaria constante; nesse caso, o mais plausível seria acostumar-se com o sentimento, certo? Só que, quando lhe vi, achei que estivesse à procura de algo.
- E estava!
- Não entendo. Reponda-me, afinal, o que estavas em tamanha aflição a procurar?
- Já disse. O que perdi.
["II y a toujours quelque choe d’abient qui me tourmente" - por coincidência ou puro enigma, as ausências se encontram.]