"você acredita em médico?! não! vai por mim, põe uma roupa bem bonita, entorna uns gorós de cachaça e vai lá se vingar dessa pessoa sim. agora!"

quarta-feira, 24 de março de 2010

Parte II

A primeira delas, a mais linda, chamava-se Cloe. Mulher das pernas mais desejáveis de toda a extensão Universitária, literalmente! Não havia uma alma sequer, em demonstração de masculinidade, a negar o prazer da exaltação perante aquele balançar de coxas à mostra em vestidos curtos ou shorts nada formais, cruzando as vastidões do campus de mesuras sem fim em dias ensolarados ou chuvosos – é próprio dos extremos prolongar a sensação tempo-espaço - e esses dias eram, sem dúvida, os de maior regozijo. A cena do cruzamento aos olhos do espectador assemelhava-se àqueles filmes do Bergman ou da Duras em que se quer produzir a sensação de suspensão temporal, ou então àqueles clássicos nacionais ambientados no Nordeste, de cor amarelada, ar denso composto de fumaça seca donde nenhum vestígio de água é leve o suficiente para elevar-se, e somente aquela gota de suor condensado, em apelativo close, correndo pelos poros dum pobre miserável, prestes a precipitar-se no maciço de um solo em brasas é capaz de realizar o único movimento possível, e a mosca solitária a zunir em seu ouvido, o único som.


Pensando bem, acho que superestimei a analogia, tanto que, se me decide por agora retirar-lhe o tom poético (com toda certeza não vislumbrado por nenhuma das mentes presentes, por falta de tempo, estorvamento ou inépcia), chegaria numa adequação mais real às condições. Portanto, em função do que me fora ensinado anos a fio em metodologia, retiro e chego à conclusão exata de que assistir aquela cena era como ver um personagem sedento em um comercial de cerveja, ou um ex-presidiário de segurança máxima em liberdade, pela primeira vez, em 30 anos. Deriva daí também a nova perspectiva quanto à reação dos machotes à cotidiana passagem (passada) da nossa Afrodite humanizada. Da veneração ao mero comportamento de massa. Um olha absorto o objeto de desejo em destaque – as pernas – e dá de lado a fazer um comentário (apertando devidamente do testículo direito), do tipo: “essa mulé é uma puta duma gostosa!”; revelada a maior novidade do dia, a cena tende a ser reprisada por quase todos os presentes do mesmo sexo.


Que fique bem claro, eu sou simples espectadora de um fato e estava a exercer a minha função imposta: observar o comportamento humano, de preferência, alheio. È lógico, pois de modo algum me atreveria a analisar minhas próprias reações, primeiro porque seria tendencioso, antiético (o sarcasmo aqui não foi intencional, ou foi?), segundo porque ainda não possuo conhecimento suficiente para me entender, de longe, sou a minha pior paciente. Mas de uma coisa estou certa, não compartilhava do mal que afligia os homens ao se depararem com as imponências de Cloe. Contudo, atesto ser incapaz em definir o que sentia.
Opressão? É, talvez em alguma parte. Desde a adolescência fui tomada por complexos que me fizeram dissociar a beleza da inteligência, a exibição dela, então, para mim, era como a nudez da alma. Não se trata de um puritanismo recalacado, não, eu simplesmente classifico (sim,classifico!) pessoas sem mistérios um tanto quanto desinteressantes. Decerto que já me dei por muitos falsos enigmas por puro deslumbre, porém nunca foi o suficiente para esquecer-me de meus vícios. De qualquer forma, existia algo em Cloe, ali, à mostra, a me tomar como tola. Sentia que dela havia um ocultado, um esquecimento, talvez, e era ele a me intrigar a cada passada, a cada balançar de coxas.