"você acredita em médico?! não! vai por mim, põe uma roupa bem bonita, entorna uns gorós de cachaça e vai lá se vingar dessa pessoa sim. agora!"

sábado, 29 de maio de 2010

no pano verde da fantasia


Ele descia semi-ébrio pela rua também semi ladeirosa, usava sua única calça jeans semi-nova, a camisa  10 da seleção brasileira de 94 e tênis de solas gastas. Havíamos sido campeões, a seleção canarinho novamente não decepcionara; empurrada por rezas orações, patuás, galinhas, velas, cervejas, aguardente, terço, Jesus, Senhor, Allah, a Mãe Diná já sabia...Hexa-campeã! Assim, ele descia, semi-trôpego pela rua de paralelepípedo...terrível tradição, pensara. As pedras apareciam como ondas inesperadas, impossíveis de se saltarem; eram como obstáculos propositais à comédia, e ele ria dos tropeços. - É campeã! gritava aos vizinhos em seu percurso. grito abafado pelos incessantes trovões artificiais a anunciar a chegada do fim...– É campeã! grito abafado pela afonia da emoção que rasgava-lhe o peito em arroubo  sem voz no tropeço da descida. - É campeã! grito inaudito...
Um estouro.
De repente, um súbito silêncio deu som ao tilintar da garrafa...movimentava-se em dança harmônica e hipnotizante,  timbrava como caixas e surdos, ligeiramente, esbarrando em algumas notas as quais segurava no ar, parava e  novamente, em repique, voltava ao ritmo “se carambolar eu ganho, ferido, marraio, sou rei!”
Sirenes juntavam-se à bateria da escola - o coração pulsante dos estandartes da vida., a estrela que nos guia. A multidão berra. O desfile começa. Ele vem requebrante, swinga para a esquerda dribla o zagüeiro, um chapéu, levanta a bola, dá de bicicleta...Mãos à cabeça, mãos ao alto. É GOL!  O jogo não acabara. Ele corre à beira do campo, aponta para o céu, agradece. Escuta a voz da mãe a chamar pelo seu nome, ele chora. Enfim, conseguira...está aí eternizado o seu momento. Não há palavras ao arrebatamento do corpo em transe, não há palavras à completude que sentia, agora ele simplesmente ia, se deixava levar...


Gritos, gritos, gritos...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

àquela mulher


- Desculpa, posso falar com você? Sim, serão só poucos minutos. É que eu gostei muito da sua fala; na verdade, ela me deixou perturbada. Ai, me desculpe...deixe-me pegar suas folhas, eu já sou um pouco atrapalhada em estado natural, você me entende? Derrubei tudo...Aqui, a sua caneta. Ir para outra sala? Claro! Um café seria ótimo também. Você é mãe? Duvidei mesmo que fosse, só perguntei para certificar... “O Tempo”, gostei muito mesmo do que você falou sobre ele...“o silencio do bebê” é aterrorizante sabia? Eu não quero fazer disso uma consulta, é que eu preciso falar senão explodo. Jura que não tem problema? Você é muito gentil...estou nervosa, posso fumar? Eu tento parar...mas por quê? Me dá prazer...eu tenho tão poucos nessa vida. Você tem isqueiro? Claro que não! Eu acho aqui nessa bolsa...só vai demorar um pouquinho...aqui está! Bem melhor agora....eu já quis matar a minha filha. Eu já quis matar tanta gente, mas de fato só o fiz com uma cadela...ela estava velha já, era nojenta, tinha câncer...enfim, um estorvo rondando pela casa, moribunda, latindo, latindo, cagando tudo...era enorme. Não, me deram-na quando ainda era pequena, assim que morreu o cachorro do meu marido, digo, o animal que ele tinha antes de me mudar para a sua casa. Pode rir, mas o adjetivo aplicado a ele não seria bem esse. Não, quem “cuidava” dela era ele. Eu tinha a criança para tomar conta e a casa inteira para arrumar, comida para fazer, e roupa, etc... no mínimo, o quintal e os animais deveriam ser sua responsabilidade. Claro que mesmo assim ela me incomodava, ele não fazia nada direito e havia de ser eu a limpar tudo como se DEVERIA ter feito, no final das contas. Quando pequena? eu gostava dela, animais pequenos têm poucos vícios e têm carinha de anjo... Eu tive depressão pós-parto...veja só, se o silêncio já me era aterrorizante, imagine o barulho, o choro, a necessidade. Eu estava apavorada! Tinha alguém que precisava de mim para sobreviver, e tinha eu que precisava de outro alguém que não precisasse de mim. O meu marido? Você também não é casada, certo? Ótimo, continue estudando. Não sabia o que fazer...tinha feito merda, sabe, uma grade merda...eu era muito nova. Bem mais nova do que você agora. Não lhe estou chamando de velha, mas é um fato. Eu não sabia nada da vida...dessa vida; achei que estivesse comprando o passaporte para o paraíso...cinderela desenganada. “O tempo é inferno”, mas o tempo a gente guarda sim. Cada segundo é a vida toda, cada segundo tem o tempo de 50 anos.  Ela está bem...vive se queixando, acha quem tem problemas, mas não sabe de nada disso que estávamos falando agora, da vida. Eu quero que ela seja tudo o que eu não fui, tudo o que eu ainda quero ser, mas sei que não serei, e acho que ela vai. Às vezes tenho raiva, sabe?!...não gosto de admitir isso, mas preciso ser sincera com você. Eu tento ser melhor. Eu sou  melhor do que antes, só que é tão triste admitir o fim quando ainda se quer mais, ou melhor, quando ainda nem ao menos se começou. É tão frustrante você ser o outro, se ver no outro tendo esse “mais” e não senti-lo, não saboreá-lo. Eu tenho fome de pratos novos, franceses, indianos, japoneses, e tenho que me empanturrar de pão seco para ver no outro escorrer pelos cantos da boca o meu desejo, me fazendo salivar. È tortura, você entende? Eu não quero me sentir culpada por lhe falar isso, mas eu me sinto...em algum lugar há essa culpa. Porra, eu sou humana! Eu era violenta. Não quero falar disso. Não consigo. Foi uma época muito ruim, eu estava numa dessas inserções anti-tabagistas, estava com os nervos à flor da pele. Mentira, a quem estou enganando? Eu fui violenta durante anos. Era a repressão “recalcada”! Criamos demônios dentro de nós, acredite. Meus pais alimentaram o meu durante vinte anos, assim como os meus irmãos...aquela tirania machista-religiosa. Somos bicho humano, ou, ora bicho, ora humanos. Uma vez ela me culpou, eu não gosto de admitir, não consigo...não para ela, nem para ninguém...só pra você. Eu contei a ela a minha vida inteira, contei e recontei. Você acha que ela me entende? Acha?

quinta-feira, 20 de maio de 2010

e se as unhas...

não fossem cortadas por serem um elemento de sorte? Será que elas cresceriam pra cima, que nem a casinha do caracol, ou cresceriam pra baixo? Crescendo pra baixo, será que as havaianas fariam um novo modelo anatômico com plataformas variadas para  acompanhar o tamanho das unhas que levantariam os pés como um macaco usado para tocar pneus? Será que a necessidade de trocar sempre de chinelos faria com que as havaianas tivessem mais concorrência? Será que os homens ficariam incitados a colocar saias para combinar?  O fio-terra acabaria? E os braços, começariam a ser coçados com os dentes? Será que...

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Parte III

Não havia reparado a essa altura que ao meu pé estava um outro observador. De nada ele tomava nota, de nada tinha de explícito, assim, sentado, revelava apenas uma oblíqua curvatura das costas a adicionar aos ombros o peso dos anos que não tinha, mas aparentava ter; de tanto que era pareciam os ombros a ele ceder, aproximando-os cada vez mais da mesa aonde apoiava os cotovelos grossos, que, por sua vez, seguravam-lhe a cabeça, cuja fronte em paralelo forjava a leitura de Ian MacEwan, enquanto seus olhos claramente se demonstravam dispersos às letras. Sua áurea exalava perturbação, seu corpo cansaço.

Tendo um álibi, me aproximei. – "Enduring love"! - Já assistiu ao filme? Laconicamente a interrogação me fora respondida : - "Não". Ao menos, em meio a resposta, tivera a elegância de me olhar a cara; desse breve “não” e dos dois segundos seguintes que segurara a cabeça para o alto, de sobrancelhas saltadas e testa franzida,  pude ver...como era possível!? O engano era total, seu corpo e rosto compunham um contraste aterrador. Sua expressão e tom eram de uma desfaçatez, seus olhos de uma prepotência, que, se não me conhecesse, a mim tomaria por um verme. Contudo, não me abalei, a fim de lhe testar comecei a exibir uma sabedoria wikipedista. – É...nem é tão bom assim..., meio lento, sabe?! Quer dizer, eu gosto de filmes lentos, não sei você, mas esse exagera, porque a lentidão parece sem motivos. E a adaptação mudou muita coisa, perdeu o mistério... mas, enfim, tem o Daniel Craig e aquela loirinha bonitinha, a Samantha Morton, conhece?
– Sim, não acho bonita.
Nesse momento elevei o Wikipédia à categoria de semi-deus – já que a divindade absoluta pertence ao google - ele fez esse babaca com cara de “muita coisa” expressar uma opinião! Prossegui, então, o mais irritante possível: - Pois é, como dizem “gosto é igual a cu”.  Depois de ler esse livro, e, por tê-lo feito, visto o filme, comecei a pesquisar sobre a síndrome de clèrambault, sabe? Dizem que fica mais claro se uma pessoa foi acometida por ele em seu último estágio – o rancor. Ele riu. Achei que fosse me mandar para o inferno, mas riu e disse: - Peguei esse livro com a minha irmã, até então do autor só conhecia o filme que adaptaram e foi interpretado pela Charlotte Gainsbourg...falamos em uníssono “The Cement Garden”. - Um dos meus filmes prediletos,  revelei.

Trocamos mais algumas informações. De repente, sua fisionomia não me parecia tão diferente da minha. Passada uma hora de conversa, demos um “até logo” com vista de nos encontrarmos novamente, eu precisava...seilá, ir embora.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

"sou o bicho humano que habita a concha ao lado da concha que você habita"


Com você eu não queria ter uma bela conversa, de livros bem escritos tenho montes na estante a fazer peso uns sobre os outros, a dar sustentação àqueles que sempre recorro, aqueles cheios de marcas e dobras, cheios de sangue. Meu projeto era outro. Meu projeto era desestruturar os limites da forma, era encontrar uma escrita só nossa, um signo só nosso.

Eu pagaria o preço do desencanto, para ir fundo no seu desconhecido, revelá-lo como a mais bela dissonância, que faria eco ao meu desafino. Meu projeto era, nesse abismo só nosso, encontrar o rasgo da veia libertária, ser em silêncio compactuado Mickey e Mallory - natural born. O seu era a memória de Rick e Ilsa.

Escrevo sozinha.

domingo, 16 de maio de 2010

the pity condition of the human beings


- O que houve?
- Eu perdi algo.
- O que é?
- Não sei.
- Como ele é?
- É grande, suponho.
- Mas você o perdera agora.
- Não. Eu nunca o tive presente, só notei a falta.
- Desculpe a pergunta óbvia, mas como pode alguém perder algo que nunca possuiu?
- Não sei. Não vejo obviedade alguma em sua pergunta, pelo contrário, ela desnuda o lado aporético não só da  palavra, como também da vida. Todavia, no intento de  amenizar o impasse verbal, o único que, talvez, com muito esforço humano possa ser esclarecido, digo ter agora dado falta  do que perdi sem nunca ter, porque antes esse sentimento estava esquecido.
- Então não é importante saber a matéria do que lhe falta?
- Talvez sim, talvez nao; enfim, pode-se tratar de  algo amorfo ou multiforme. quem sabe?
- Entendo, de nada adiantaria atualizar a informação, porque a perda continuaria constante; nesse caso, o mais plausível seria acostumar-se com o sentimento, certo? Só que, quando lhe vi, achei que estivesse à procura de algo.
- E estava!
- Não entendo. Reponda-me, afinal, o que estavas em tamanha aflição a procurar?
- Já disse. O que perdi.
["II y a toujours quelque choe d’abient qui me tourmente" - por coincidência ou puro enigma, as ausências se encontram.]

domingo, 2 de maio de 2010

the moon's conjunction with pluto

- eu encontro a minha verdade na ciência e na retidão. - E você, aonde reside a sua?
- em tantos lugares  e ao mesmo tempo em um só. Minhas verdades encontro no controverso, na desmedida, no pathos, no submerso...em Dionísio, em Hades. A propósito,  hoje eu sonhei com um céu negro,  no ar havia o cheiro  de tempo sem tempo...o tudo do sonho estava prestes a ser dragado por um negrume indefinido, mas não fora...ficou a sensação de quase fim. Não gosto de experimentá-la, sempre que acontece frustro-me por nao saber como será o depois.
-  o depois não há, por isso não sonhastes com ele.
- por certo que há. sempre haverá.